segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Sobre assumir quem você é e mudar o mundo

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Foto: Elaine Campos
* por Vanessa Gil
A primeira coisa que você deve saber ao ler esse texto é que ele é um relato pessoal de como esse processo aconteceu comigo. Cada uma de nós vivencia de forma diversa. O fato é que sempre fui lésbica. Isso não impediu que me relacionasse com homens por muito tempo. Hoje, passados alguns anos, vejo isso como a ação da heteronormatividade na minha vida. No fundo eu sabia, mas crescemos numa sociedade onde ser hétero é a regra. Eu tentei segui-las. Quando nós dizemos bissexuais a coisa flui. A gente ainda esta disponível para os homens. Está disponível é bem dentro do que a pornografia vende, duas mulheres, o sonho da sexualidade masculina. Mas quando você rompe com isso, acorda e diz, sou lésbica, a coisa muda de figura. Você está informando o mundo que seu corpo, sua sexualidade não está mais disponível para o desejo masculino.
Levei muitos anos para me assumir lésbica. Mas sou uma privilegiada. Minha família disse: “a gente já sabia, seja feliz!”. Nunca trataram minhas namoradas com qualquer diferença entre homens que namorei ou as namoradas do meu irmão, do meu filho. Essa não é a realidade da maioria. Mas várias de nós podem se assumir e seguem no medo da rejeição. Amiga, quem te ama de verdade não se importa com quem você transa. Isso vale pra todas as pessoas com as quais você se relaciona. Para mim, e aqui faço um relato bem pessoal, foi libertador. Foi como tirar um peso gigante das costas. Cabe ressaltar que tudo isso foi possível porque o movimento feminista me mostrou que não estava só, que não era a única e que o pessoal é politico. Obrigada as que vieram antes de mim!
Tenho orgulho de ser lésbica. Faço questão de que todo mundo saiba. Passei muitos anos sem contar para ninguém, escondi namoros de anos. Hoje, sempre que entro em sala de aula digo que sou lésbica. O motivo é bem simples. Passei boa parte da vida achando que lésbicas e gays tinham uma vida promiscua. E mais um monte de ignorâncias. Não havia lésbicas entre minhas professoras, minhas médicas, entre as vizinhas. Óbvio que elas estavam lá, mas não contavam para ninguém. E eu achava que era só eu. Depois conheci outras lésbicas, mas todas também vivendo no armário. Falo de mim onde posso para que outras meninas saibam que nós existimos, vamos para a universidade, nos apaixonamos, temos filhos, estudamos.
A primeira vez que contei na escola onde lecionava foi visível o alívio na cara dos alunos gays e alunas lésbicas. As piadas lesbofóbicas e homofóbicas diminuíram, afinal, a autoridade em sala de aula era lésbica. A sala das professoras passou a ter muito mais cuidado com o que dizia. No ano seguinte vários casais gays e lésbicas surgiram no pátio. Ou seja, quando você se assume, quando nós assumimos, mudamos o mundo. E ajudamos as outras que virão depois de nós. Nem todas podemos se assumir com tanta tranquilidade, mas se você puder, faça. O mundo e você ficarão mais livres.
*Vanessa Gil é socióloga e militante da Marcha Mundial das Mulheres do Rio Grande do Sul.

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